Às vezes, penso que as palavras têm memória. Que elas atravessam o tempo como barcos silenciosos, carregando segredos que só reconhecemos quando a alma amadurece para escutá-los.

Talvez seja por isso que, nas madrugadas mais quietas, sinto que alguém me escreve — não de outro lugar, mas de outro tempo.

E esse alguém… sou eu.


As cartas chegam sem papel, sem tinta, sem selo. Vêm na forma de intuições súbitas, arrepios que atravessam a espinha, sonhos que insistem em voltar como se não tivessem terminado.

Eu as chamo de cartas que escrevi para mim em outra vida.

E nelas, há um misto de advertência e ternura.


Primeira carta — sobre a paciência do cosmos

"Não te apresses. As estrelas não nasceram ontem e, ainda assim, brilham para ti como se tivessem esperado apenas por teu olhar."

Lembro-me, ao ler isso em meu próprio silêncio, de como vivia aflito por respostas rápidas. Esqueci que o tempo é também um escultor e que a pressa é apenas um martelo sem delicadeza.

Nessa carta, aprendi que não se força uma flor a abrir; a beleza só floresce quando é hora.


Segunda carta — sobre a coragem de ser imperfeito

"Teu erro não é queda, é a bússola que aponta para um norte mais verdadeiro."

Quantas vezes me neguei a viver algo por medo de falhar… E naquela vida, talvez, eu já soubesse que a imperfeição é a única porta pela qual entra a autenticidade.

Essa carta me lembra que a alma não veio para colecionar vitórias impecáveis, mas para acumular histórias inteiras — e isso inclui as manchas.


Terceira carta — sobre o amor que não tem endereço

"Quando amares, não te preocupes com onde o amor ficará. Ele encontrará casa mesmo em corações que não sabem recebê-lo."

Nessa frase há uma doçura agridoce: o amor não é posse, é vento.

Em outra vida, aprendi que amar é escrever no ar e confiar que alguém, em algum canto, saberá ler.


Quarta carta — sobre o encontro com o próprio rosto

"Há um dia em que te olharás no espelho e reconhecerás que sempre foste o estrangeiro que procuravas."

A mais silenciosa de todas as cartas, mas a mais profunda.

Ela me fez entender que a jornada espiritual não é para encontrar algo fora, mas para decifrar os mapas que já nascem tatuados no peito.



No fim, percebo que essas cartas são como ecos que vêm de dentro e de longe ao mesmo tempo.

Talvez outra vida não esteja atrás de nós, mas ao nosso lado, acontecendo em paralelo — e, de vez em quando, nossas mãos se tocam no escuro, trocando palavras como quem passa um fósforo aceso.


Se eu pudesse responder a todas elas com uma única frase, diria:

"Ainda estou aqui, lendo-te. E prometo que, nesta vida, não deixarei de escrever para nós."



Se este texto conversou com você, talvez seja porque alguma carta antiga também tenha chegado ao seu coração. No Genderless, continuo explorando essas mensagens invisíveis que atravessam nossas vidas.